A IMPORTÂNCIA DA ESPECIFICAÇÃO CORRETA

A IMPORTÂNCIA DA ESPECIFICAÇÃO CORRETA

Por Cristóvão de Souza (*)

 No artigo anterior (https://bit.ly/2JJWpXy), falei da importância da inspeção de recebimento dos materiais de içamento e que cerca de 70 a 80% são reprovados em inspeções de rotina devido a problemas com documentação, identificação e rastreabilidade. E você sabia que esse problema começa lá no processo de compras? Isso mesmo, muitas vezes “Compras”, em uma mineradora, por exemplo, adquire de papel higiênico a um caminhão fora de estrada, e acaba comprando gato por lebre.

Então, vamos entender como funciona o processo. Quando você manda sua requisição ao comprador, ele vai pegar a especificação, que você fez, e envia aos fornecedores de materiais de içamento. E estes apresentam suas propostas comerciais. Veja bem, o comprador nada entende de material de içamento (e não tem que entender mesmo, ele não tem tempo para isso). Ele apenas irá receber as propostas, comparar preços, condições comerciais e tempo de entrega, e aquela que ele entender mais vantajosa para empresa será a escolhida.

Mas seu eu peço o material, o comprador compra o que eu pedi, porque eu recebo tanto material ruim? Aí é que está: será que você está fazendo o pedido de forma correta?

Vamos lá. Imagine a seguinte especificação: “cabo de aço Ø1”, comprimento de 6 metros, para 6,8 toneladas. Talvez você esteja esperando receber o seguinte material:

cabodeaco-laço

Mas sabia que o comprador pode comprar isto…

cabodeaco

Isso mesmo: um “pedaço de cabo de aço de 6 metros”. Por quê? Porque foi isso que você pediu. Na movimentação de cargas, cabo de aço é o que temos no tambor do guindaste, da ponte rolante, enrolados em tambores de cabo. Cabo de aço não tem olhais. Quando queremos algum tipo de olhal, estamos falando de lingas ou laços DE CABO DE AÇO.

Para realizar a especificação correta do material, e não ter surpresas, é preciso que você faça a seguinte especificação: “Linga de cabo de aço 6×19 + Alma de Fibra de 1 ramal com olhal tipo 1, Categoria 1770, Diâmetro de 26mm e comprimento 6 metros, conforme ABNT NBR 13541-1

Agora, vamos entender, de forma bem simples, essa especificação:

1º Linga de cabo de aço: Quando falamos de uma linga ou também laço de cabo de aço, devemos lembrar que podemos ter lingas de cinta sintéticas ou de corrente;

2º 6×19 + Alma de fibra: Neste ponto, a norma se refere à classificação do cabo de aço que, conforme a norma ABNT NBR 13541-1 no item 4.1 (Generalidades), podem ser 6×19, 6×36, 8×19 ou 8×36, sempre de torção regular com alma de aço ou fibra, conforme a ABNT ISO 2408.

3º 1 ramal com olhal tipo 1: Quando citamos 1 ramal ou simples, estando dizendo que esse laço terá apenas uma perna. Podemos ter lingas com 1, 2, 3 ou mais ramais, unidos através de anéis de carga.

Quando citamos olhal tipo 1, segundo a norma ABNT NBR 13541 no item 3.13. (terminações de lingas), estaremos especificando o seguinte:

—           tipo 1: olhal trançado flamengo com presilha de aço;

—           tipo 2: olhal trançado flamengo com presilha de alumínio;

—           tipo 3: olhal trançado manualmente;

—           tipo 4: olhal dobrado com presilha de alumínio

E estes ainda podem ser combinados em 4 tipos de terminais, conforme o item 4.2.1. na tabela 2 da norma. Caso desejássemos um laço com terminais, deveríamos citá-los neste ponto, lembrando que, em um mesmo laço, podemos ter um olhal diferente do outro, desde que respeite as especificações de norma.

4º Categoria 1770: Neste ponto, estamos falando da categoria de resistência do cabo de aço com que a linga será produzida. Segundo a NBR 13541-1 no item 4.1.1, podemos utilizar 2 tipos de dureza para cabo de aço, sendo 1770 Mpa para lingas de alma de fibra, conforme ABNT NBR ISO 2408, e de, pelo menos, 1960 Mpa para lingas com cabos de alma de aço. Como exemplo, vejamos que a carga máxima de trabalho (CMT) vertical de uma linga 6×19+AF 1770 Mpa seria de 6,80 t, enquanto de uma linga com as mesmas especificações, mas com resistência de 1960 Mpa, seria de 7,5 t. Temos,portanto, uma variação de aproximadamente 9% de uma para o outra.

5º Diâmetro de 26mm: Neste ponto, especificamos para o comprador o diâmetro do cabo de aço da linga que desejamos. E, diferente do que muitos estão acostumados, a NBR 13541-1 especifica os diâmetros dos laços em “mm”, conforme sistema internacional, e não em polegadas, como estamos acostumados normalmente.

6º comprimento 6 metros: Neste ponto, você irá especificar o comprimento do laço que deseja, lembrando que este comprimento (L) é a medida entre a parte interna dos olhais do laço. Aqui também vale salientar que esta medida é feita quando o laço está com seus olhais em perfeitas condições, sem nenhum tipo de deformação. Já que, durante o uso, os olhais podem sofrem deformação (esticar), o que pode resultar em um aumento no comprimento final do laço.

Não existe um tamanho máximo para confecção de um laço de cabo de aço, mas temos um comprimento mínimo, conforme apresentado na Tabela 1 (Dimensões dos olhais e comprimentos mínimos das lingas) da norma NBR 13541-1.

cabodeacoarranjosPor exemplo, no nosso caso, o fornecedor pode nos atender com o laço de 6 metros, mas não poderia nos atender caso, em nossa solicitação, constasse um laço de 1,5 metros –

pois o comprimento mínimo para um laço de 26 mm de diâmetro é de 1,6 m. Caso ele nos atendesse, não iria emitir o certificado sobre este laço, mas esse assunto de certificação, vamos falar na próxima edição.

7º conforme ABNT NBR 13541-1: Esta talvez seja a parte mais importante da nossa especificação, pois isto indica ao fornecedor que ele deve atender todos os requisitos desta norma. Desde testes, certificação, materiais aplicados, garantias e marcações. Sem o que, ele não poderá emitir um certificado de conformidade à norma.

E como sempre digo para meus alunos “Qual a importância do certificado do material? O certificado não é para apontar culpados/responsáveis no caso de acidentes. Nosso objetivo é evitar acidentes e um dos fatores para isso é a qualidade do material empregado. E o certificado é importante, pois os fornecedores de produtos ruins, de origem duvidosa, não emitem certificados”.

 

Agora, como citei no artigo anterior, na inspeção de recebimento você deve confrontar o produto com o seu pedido de compras e as especificações de norma para aceitar esse produto.

O recebimento de materiais de baixa qualidade não é culpa do comprador, ou você acha que o comprador entende de tudo isso que falamos?

Isso não é culpa do comprado isso é um erro na especificação do produto que você deseja e assim como falamos das lingas de cabo de aço, o mesmo ocorre com cintas sintéticas, correntes, manilhas e outros materiais, por isso é de suma importância sempre seguir as normas ABNT como referência.

Evite utilizar catálogos de fabricantes pois isso pode tornar seu processo viciado, exemplo o comprador coloca para cotação um produto que tem como referência o catalogo de um fornecedor, pode ser que este fornecedor comercialize algum produto que não esteja em acordo com as normas técnicas nacionais (ABNT NBR) e você ainda pode arrumar uma baita dor de cabeça com a política de “compliance” da sua empresa, porque imagine uma especificação que ligue a um produto especifico de um único fornecedor, esse fornecedor pode cobrar o valor que ele bem entender, afinal só eles comercializam esse produto e o comprador só pode adquirir dele.

Então caso isso for apurado em uma auditoria, você terá muito trabalho para justificar isso, e pior será se este produto não atender os requisitos das normas técnicas nacionais.

Ou seja, para evitar problemas na inspeção de recebimento dos seus materiais é importantíssimo que você e sua empresa adotem um padrão de especificação de materiais sempre conforme normas técnicas nacionais ou internacionais (ABNT NBR, ISO, EN).

E lembrando que para que o fornecedor possa fornecer um certificado de conformidade, ele tem que atender a todos os requisitos de norma. Mas isso é um tema para a próxima edição.

cristovao(*) Cristovão de Souza, “casado, pai e avô”, como gosta de ressaltar, é diretor da Sertech Consultoria e Treinamentos. Palestrante, planejador de Rigging, inspetor de Guindastes e materiais de içamento, ´´e gestor de segurança em operações de içamento pelo Crane Institute Certification. Fundador do Grupo Operadores & Riggers S/A no Facebook, também é youtuber nas horas vagas. Contatos: cristovao@sertechbrasil.com.br www.sertechtreinamentos.com.br

 

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