Durante a fase mais crítica da pandemia, um grupo de locadores de guindastes, com atuação no segmento eólico, passou a se reunir e formou um grupo de trabalho, o GWB (Grupo Wind Brasil). O objetivo era identificar gargalos nas operações e sobretudo boas práticas que pudessem minimizar o risco de acidentes e, consequentemente, proteger os trabalhadores envolvidos e evitar danos aos equipamentos mobilizados e ao patrimônio deles próprios e dos contratantes.
O GWB encerrou suas atividades em abril de 2022, com dois anos de atividades, deixando, com base na premissa maior de “salvar vidas”, um importante legado a todo o setor de movimentação de cargas no Brasil. “Foi uma iniciativa muito interessante e exemplar de empresas, concorrentes entre si, que se juntaram para discutir um tema de maior relevância que é a segurança nos parques”, avalia Cesar Schmidt, profissional com mais de três décadas de experiência no mercado, que foi convidado a coordenar as atividades do GWB pelas mantenedoras do grupo: Makro Engenharia, I.V. Guindastes, BSM e Grupo Santin.
Segundo ele, foram realizados 30 encontros técnicos entre empresas de instalação, montagem e manutenção de aerogeradores, com participação também de fabricantes, como GE, Siemens Gamesa, Vestas, WEG, e Nordex Acciona. O primeiro fruto desse trabalho foi a edição do guia das melhores práticas na instalação e manutenção de aerogeradores. Uma tradução e adaptação do original elaborado pela ESTA (associação das empresas de transporte pesado) e a VDMA (sindicato de fabricantes de máquinas), duas associações europeias.
Esse guia referencial foi divulgado em todas as frentes de trabalho das empresas participantes, através de plataforma online e dez vídeos elaborados para treinamento. Ao final, cerca de 1.000 trabalhadores foram treinados, com aferição do resultado do aprendizado. Na sequência, foram abertos grupos de trabalho com enfoque principal na segurança. Foram então mapeados e discutidos todos os acidentes ocorridos nas empresas participantes no período, identificadas as causas raiz e as ações para mitigar os riscos.
Do ponto de vista administrativo, foi identificado que em cada site, quando a empresa presta serviço para contratante do Parque A e chega para prestar serviço a outro muda totalmente a documentação exigida para acesso de homens e máquinas. “Em média, nós identificamos que uma pessoa para entrar em um parque leva 23 dias e um equipamento leva quase 10 dias. Esses recursos ficam ali ociosos esperando na portaria ou em outro lugar para entrar no parque. Imagine isso inclusive em uma situação de emergência. É uma perda muito grande”, diz Schmidt.
Ele explica que essa questão foi levada para os contratantes, com a proposta de que, à medida em que eles forem renovando ou fazendo novos contratos, buscassem uma padronização para agilizar o acesso. “Nossa ideia era se chegar a um passaporte: uma vez que uma pessoa que fez credenciamento em um site, ganharia acesso, dentro de um determinado período, a outros sites, já a documentação é praticamente a mesma. Houve alguns avanços, mas ainda não se chegou a esse ponto”,
No final do ano passado, o Grupo Wind Brasil finalizou uma nova publicação: o Guia para preparação das bases rígidas (Cranepad) e acessos aos parques, baseado em documento similar produzido pela ICSA (entidade internacional que reúne fabricantes e usuários), e adaptado para as características dos equipamentos e guindastes existentes no Brasil e nos aerogeradores aqui instalados. “Usamos muitos documentos da Siemens, da GE, e outros fabricantes e criamos assim um guia da GWB que foi compartilhado entre todas as empresas para servir de referência na execução dessas atividades”.
Cesar Schmidt chama a atenção para a importância desse documento, principalmente na fase posterior de manutenção. “Tanto os acessos, quanto o Cranepad, um ponto crítico, já que é o local de trabalho para os guindastes, exigindo uma preparação sólida e muito bem feita, podem ter se modificado desde a construção do parque”.
Aspectos comerciais e contratuais
“Quando algo dá errado com um guindaste, estamos sempre buscando quem é o culpado ou, a(s) pessoa(s) envolvidas quer(em) provar que não é (são) a(s) culpada(s)”. Essa abordagem comum, lembra Schmidt, desconsidera outras causas de acidentes por conta de aspectos comerciais ou contratuais. Nesse caso, são várias as possibilidades possíveis. Se o preço é fixo, por exemplo, o instalador será incentivado a fazer a obra rapidamente para poder utilizar o equipamento em outro trabalho e/ou reduzir seu custo de mão de obra. Outra situação: ao chegar ao local, as condições locais estão diferentes do planejado/ orçado. À essa altura, no entanto, é inviável, em razão do porte das máquinas que são mobilizadas, a substituição dos equipamentos.
Pode acontecer também que a empresa contratada não é do “ramo”. Ou seja, embora locadora de guindastes, não tem nenhuma expertise, treinamento ou conhecimento mais profundo e sua equipe não foi devidamente treinada para as complexas atividades num site eólico. Normalmente, também, os cronogramas são muito apertados e nem sempre janelas de vento são em períodos diurnos.
Enfim, são situações típicas da operação eólica que podem levar as empresas envolvidas, para cumprirem o cronograma, a acelerarem algumas etapas ou negligenciar os limites estabelecidos pelo manual dos fabricantes de equipamentos e acessórios. “Ninguém faz isso por querer, mas a rotina pode criar uma falsa sensação de segurança, baseada em experiências anteriores, e os acidentes acontecem”, diz Schmidt.
Limitações críticas dos guindastes
Recentemente, as máquinas que tem sido lançadas visando o mercado eólico já vem com importantes recursos adicionais para esse tipo de explicação. Tais como uma permissibilidade de vento maior, lanças duplas, estruturas mais robustas com aços especiais, guias para evitar o movimento pendular da peça e jibs reconfigurados. Na maioria dos casos, esses avanços podem ser incorporados aos equipamentos de gerações anteriores.
Algumas questões, no entanto, continuam valendo. Um guindaste tem sua capacidade limitada por diversas variáveis. Por isso, existe a tabela de carga. O problema, lembra Cesar Schmidt, é que às vezes as pessoas tem a falsa informação de que ela se resume à questão da estabilidade. Quando, na verdade, cada ponto da tabela de carga pode significar um aspecto crítico diferente. Se a estabilidade é um fator importante nos raios longos, em outra situação, o ponto crítico pode ser, por exemplo, estrutural: a capacidade de resistência da lança ou do rolamento de giro ou ainda do cilindro da patola. Operar fora da tabela de carga, portanto, só em situações únicas, depois de avaliação e autorização do fabricante do equipamento, em face das tolerâncias que possam existir.
Schmidt lembra que o que as máquinas monitoram efetivamente é carga e raio num compromisso de estabilidade. Segundo ele, três fatores têm que ser levados em conta em qualquer movimentação de carga, principalmente nos parques eólicos onde o vento é uma pré-condição: peso, superfície máxima exposta ao vento e fator de arraste “CW”. De um modo geral, os usuários devem seguir rigorosamente as instruções do fabricante e estar alertas à identificação de situações críticas, como: deslocamento com guindaste semi configurado, centro de gravidade deslocado e inclinações.
Cesar Schmidt considera as atividades do Grupo Wind Brasil como um dever cumprido, embora não descarte sua retomada. Desafios não faltam e um deles, provavelmente, será a eólica offshore, que difere totalmente dos parques onshore pelo porte das usinas (torres e aerogeradores) e a sua instalação. Ele diz, inclusive, que a ICSA e o SC&RA (associação internacional com base nos EUA) estão trabalhando no momento na elaboração de um guia sobre a utilização de guindastes móveis nesse tipo de aplicação.