PORQUE OCORRE SOBRECARGA NOS GUINDASTES?

PORQUE OCORRE SOBRECARGA NOS GUINDASTES?

Por: Camilo Filho (*)

Existem duas maneiras básicas de ocorrer sobrecarga num içamento: a proposital e a não intencional. A não intencional ocorre por erro ou falta de conhecimento por parte do operador, rigger ou quem projetou o içamento. A proposital é quando intencionalmente excedemos a capacidade da tabela de carga do equipamento.

Atualmente com a utilização dos “computadores” em quase cem por cento dos equipamentos, a sobrecarga não intencional praticamente fica anulada, a não ser que por efeito pendular aumente o raio, ou devido a um problema de amarração, o CG da carga mude de posição durante o içamento.

Lamentavelmente os “computadores” podem ser “bypassados” se assim me permitem escrever por livre tradução do inglês “by passed”. Claro que aquele operador que assim procede, “bypassando” o equipamento, assume para si, todo o risco inerente a seu ato, pois anula deliberadamente o recurso existente no equipamento para protegê-lo de sobrecargas e erros operacionais.sobrecarga em guindastes

Sobrecargas intencionais normalmente ocorrem por várias razões, entre elas:

1# A capacidade de carga do guindaste escolhido para o içamento é insuficiente em relação ao peso da carga a ser içada. Conclui-se que é mais conveniente, ou menos oneroso sobrecarregar o guindaste que ali está do que pagar (aumento no custo, não previsto) e/ou esperar (aumento no prazo para execução) por um guindaste de maior capacidade, se é que existe.

Vamos imaginar a seguinte situação: um guindaste telescópico de 220 t de capacidade é alugado e chega ao site uma máquina telescópica de 220 t de capacidade, porém de outro fabricante e modelo, que não o especificado. Ambos os guindastes são nominalmente de 220t, mas quando vamos analisar as tabelas de carga, o guindaste especificado para locação pode por exemplo içar  66 t com uma lança de 17,6 m e um raio de 10,0 m, enquanto que o outro que efetivamente chegou a obra depois de rodar 1000km tem capacidade para 62,5t com uma configuração similar. E aí?

2# Em uma obra civil, por exemplo, foi verificado que peças de concreto pré-moldado que foram projetadas para pesar 2500 kg, na verdade estão pesando 2750 kg. A grua instalada na obra foi exaustivamente estudada de modo a alcançar o canto mais distante onde será instalado este pré-moldado e por redução de custos devido a obra ter sido ganha com um preço muito apertado, sua capacidade ficou limitada por este elemento. Ora, o que vai ocorrer? Será que por pressões vindas de cima haverá uma tentação de dar um “jeitinho” e tirar um pouco mais da grua de modo a atender os custos e cronograma da obra? E aí?

3# Uma obra é um ser vivo. Mudanças de suas condições podem afetar negativamente, por exemplo, a capacidade de um guindaste, o qual se previu coloca-lo em determinada posição, mas que com o andamento da obra, onde seria o local de patolamento, hoje há uma bateria de trocadores de calor! Onde passaria o guindaste para aproximar-se da peça, hoje escavaram uma valeta! Mas a máquina está na obra, a carreta chegou com a peça, a equipe de soldadores, montadores de andaime e etc. está lá. De novo, será que as pressões para manter o cronograma farão com que haja um “jeitinho” de não abrir totalmente os outriggers, entretanto reduzindo perigosamente a capacidade de içamento? E aí?

4# O mesmo se passa com os guindautos, que muitas vezes chegam a sites congestionados e frequentemente tem dificuldades para abrir totalmente seus outriggers e com segurança trabalhar dentro de sua tabela de carga. De novo, há uma tentação de dar um “jeitinho”, com consequências desastrosas. E aí?

 

sobrecarga em guindastes3Em todos os casos anteriormente expostos, existe uma tendência de se querer resolver o problema pressionando-se o operador a fazer o trabalho, mesmo sabendo-se que estaremos trabalhando fora da tabela de carga da máquina. Na época em que trabalhei na Manitowoc, vivenciei esta situação num trabalho com coreanos, em que insistiam em pegar uma carga correspondente a algo em torno de 10% acima da tabela de carga de uma MW18000.

Apresentavam-me vários argumentos, tais como: que a máquina tinha uma reserva de 25%, que seria um içamento assistido por mim e eles “engineered lift”, que quando um guindaste é testado, a carga de teste é entre 110% e 125% da carga de trabalho, e que a sobrecarga que queriam dar no guindaste poderia ser considerada como tipo uma carga de teste. Pura bobagem! Agora imaginem um operador sendo submetido a este tipo de pressão e argumentos sendo apresentados por um engenheiro do cliente!

Os operadores em geral, mas principalmente os dos equipamentos menores, os chamados “taxi cranes”, são os que mais estão sujeitos a este tipo de abordagem, são eles que dão a cara para bater no cliente, enquanto seu comercial, operacional e engenharia, “de longe”, muitas vezes em nada os apoia, pelo contrário. O que vejo é uma tendência óbvia em que em primeiro lugar se dá total credibilidade ao cliente, ficando o operador como o vilão. Claro que bem sei que há operadores e OPERADORES.

Gosto de citar exemplos e aqui vai mais um; na época em que trabalhei numa grande locadora, ocorreu um caso em que o nosso comercial me ligou, pedindo para que eu trocasse o operador de determinada obra, se não o cliente iria devolver o guindaste. Disse-me o nosso “gestor de negócios”, que o cliente estava muito molesto, alegando que o operador estava criando problema e enrolando, pois já estava na obra fazia mais de meia hora e ainda não tinha começado a operar o guindaste.

E mais: disse que o operador não sabia operar o equipamento, pois parecia uma barata tonta andando em volta da máquina. Como eu conhecia o operador há muitos anos, pois já havia trabalhado comigo na Superpesa, eu sabia que algo estava errado. Muito bem, pego meu carro e vou até o local da obra, no caso no começo da Rodovia Castelo Branco.

Quando lá chego, vejo o operador e o seu auxiliar com lama pelas canelas e ainda sem começar o trabalho, o qual consistia na montagem de uma ponte metálica sobre o rio. O operador usou todos os 32 dormentes que havia levado, os quais desapareceram no terreno e estava se negando a começar o trabalho enquanto o tal cliente não melhorasse a área de patolamento. Quando o cliente se referiu ao fato do operador parecer uma barata tonta andando em volta da máquina, era o operador tentando patolar/nivelar o guindaste. Típico serviço pego por telefone, sem vistoria!

Só para concluir, é importante que os operadores sejam treinados, para que com conhecimento e técnica, possam argumentar com os clientes e assim resistir a estas pressões, evitando assim os “jeitinhos”.

camilofilhoCamilo Filho é engenheiro mecânico, especialista em içamentos pesados, com 30 anos de experiência em operações com guindastes e movimentação de carga. Com vários cursos na área feitos no exterior, é responsável por vários trabalhos de grande envergadura no Brasil e no exterior. Atualmente é consultor da IPS – Engenharia de Rigging, é também membro da ACRP (Association of Crane & Rigging Professionals-USA).

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