OPERANDO NA ZONA NEBULOSA DO IÇAMENTO DE CARGAS

OPERANDO NA ZONA NEBULOSA DO IÇAMENTO DE CARGAS

Por: Camilo Filho*

A tabela de carga de um guindaste móvel explicita parâmetros operacionais que são críticos para o uso seguro do equipamento. Enquanto algumas tabelas podem ser muito complexas, a maioria dos usuários entende que a tabela de carga divide as capacidades tabeladas em duas categorias gerais: (I) aquelas limitadas pelo tombamento (chamada de área de estabilidade) e (II) aquelas cargas limitadas por fatores estruturais.

Essa informação está claramente indicada nas tabelas americanas que são baseadas na ANSI B30.5 – o mesmo não ocorre nas tabelas europeias, que são baseadas na EN 13000. Além do exposto anteriormente, no entanto, um número assustador de usuários erroneamente “lê desinformação muito perigosa na tabela” como mostrarei a seguir.

Quantas vezes você já ouviu uma conversa como esta: “Nós tínhamos uma peça pesada para içar. O peso estava acima do tabelado, mas nós estávamos na área de tombamento, assim eu sabia que a máquina primeiro iria levantar as patolas antes de alguma coisa quebrar.”Parece familiar? Pois isto não é verdade, e sim um tremendo erro de interpretação!

Limitações estruturais dos seus guindastes

Baseando-se no tombamento para sinalizar uma capacidade, um operador pode sobrecarregar enormemente os componentes estruturais do guindaste. Eu hoje com mais de 30 anos trabalhando com guindastes, já escutei a “lógica” acima muitas vezes para acreditar que se trata de um equívoco isolado. Em vez disso, parece-me que muita gente, incluindo-se aí operadores, supervisores e até engenheiros, consciente ou inconscientemente, são culpados pelo fato de estarem tentando adivinhar dados que são unicamente de conhecimento do fabricante do equipamento. Quando trabalhei na Manitowoc/Grove com meu amigo Bob Ritter, tive a grata oportunidade de ver e entender a complexidade de se construir a tabela de carga de um protótipo por exemplo.

A OSHA (Occupational Safety and Health Administration) obriga que, “quando as capacidades são limitadas pela competência estrutural, tais capacidades devem ser claramente mostradas e enfatizadas nas tabelas de carga.”Não há dúvidas de que a intenção aqui é alertar os operadores das limitações estruturais dos seus guindastes. A OSHA reconhece claramente a importância dos limites estruturais, e, além disso, também estabelece que: “quando cargas, que são limitadas pela competência estrutural da máquina ao invés da estabilidade, são manuseadas, será estabelecido que o peso da carga foi determinado dentro de uma variação de erro máxima de 10% antes de ser içado.” Isto é bastante claro. Quem não consegue imaginar o potencial de desastre de uma falha estrutural?

A maioria dos bons operadores, os caras experientes, concordam que você não deve se arriscar na área de limitação estrutural, entretanto, a tabela de carga não nos diz que é seguro para o guindaste aproximar-se do limite de tombamento sem sofrer consequências estruturais. Somente nos indica que as limitações estruturais não são excedidas pelas capacidades de estabilidade mostradas nesta área da tabela.Não serão estas capacidades que irão tombar o guindaste! Elas são apenas um certo percentual da carga a qual tombará o guindaste.

Se nós carregarmos o guindaste acima das capacidades dos fabricantes, mesmo numa área limitada pela estabilidade, nós não temos a menor ideia de que componentes estruturais podem estar sendo sobrecarregados, antes do guindaste realmente mostrar sinais de tombamento.

Uma tabela pode mostrar uma carga de 5,000 lbs limitada pela estabilidade. Na verdade, a resistência da lança pode ser de apenas 5,100 lbs. Sob as normas regulamentadoras federais americanas atuais de estabilidade, para um guindaste de esteiras seriam necessárias 6,700 lbs para tombar este guindaste. Neste caso, se o operador levantar determinada carga até sentir que o guindaste está “leve”, ou seja, próximo do seu limite de tombamento, a lança terá sido sobrecarregada com 1,600 lbsou 32%.

Existe uma “zona nebulosa” entre as capacidades tabeladas pela estabilidade mostradas na tabela e a carga que realmente tomba o guindaste. Uma tabela de carga não nos diz que limites estruturais são violados quando o guindaste é levado além da tabela e se aproxima do tombamento.

Cálculos e testes na elaboração das tabelas de carga

Imagine que você e eu acabamos de construir um guindaste. Queimamos nossos neurônios, arrancamos nosso cabelo e ficamos vesgos de tanto trabalhar na tela do computador para determinar quão resistente é o nosso guindaste e quanto ele pode içar.

É um guindaste montado sobre esteiras, assim, a regulamentação da OSHA nos diz que só podemos classificar a máquina a 75% da carga que irá fazer com que ocorra o tombamento. Nós fizemos os cálculos para desenvolver uma tabela de carga. Também fizemos testes para verificar nossa tabela e os dados obtidos no computador estavam corretos. Sob condições de teste cuidadosamente controladas, nosso guindaste começa a tombar com 20’ de raio e uma carga de 100,000lbs.

Com uma matemática simples, rapidamente mostramos que se o guindaste tomba com uma carga de 100,000 lbs, nossa capacidade para o guindaste (lembrando que é um guindaste sobre esteiras) não poderá ser mais do que 75 % x 100,000 lbs ou 75,000 lbs, se o tombamento é o fator determinante da capacidade. Fizemos inúmeros testes no computador para predizer as tensões em nosso guindaste, e descobrimos que somente dois componentes estão próximos dos seus limites de resistência para este comprimento de lança e raio particulares. No caso nossa lança pode suportar 76,000lbs a20’ de raio.

A resistência do cabo de aço limita a capacidade do guindaste a 85,000 lbs. Nossa capacidade de tombamento de 75,000 lbs é, entretanto, o menor de todos os fatores. Nós liberamos nossa tabela de carga mostrando 75,000 lbs a 20’ de raio, e obviamente não colocamos asterisco na capacidade porque ela é limitada pela estabilidade e não estrutural.

Uma pequena história pode ajudar a ilustrar o problema

Nós vendemos nosso primeiro guindaste. Algumas semanas depois, estamos orgulhosos em uma construção observando nosso “recém-nascido” trabalhando.O rigger amarra o gancho em uma imensa viga de concreto para retirá-la de cima de uma carreta. Pintado na lateral da viga está o seu peso: 97,000 lbs. Nós rapidamente pegamos nossa trena e medimos o raio: 20’. Então nós nos lembramos de nossa tabela de carga 75,000 lbs a 20’. Aí pensamos, certamente o operador vai se aproximar da carreta para içar a viga. Mas não, a rotação do motor aumenta rapidamente e o cabo começa a ser tensionado. Nós então corremos gritando para o operador que ele vai colapsar nosso guindaste novinho!

Com um ar de superioridade e sarcasmo (devido ao seu conhecimento em relação a tabela de carga) e parecendo meio bravo, o operador, sem saber quem somos, calmamente nos explica: sim, eu sei que a carga está além da capacidade do guindaste. Presunçosamente ressalta que ele está trabalhando na área de tombamento do guindaste, assim logicamente, é seguro sobrecarregar o guindaste “até que ele fique leve.” E ele continua nos explicando que nesta parte da tabela o guindaste deve tombar antes que qualquer coisa quebre.

Coitado, está completamente errado e aí é que mora o perigo!

Começamos nós então a argumentar com ele:“ nós projetamos este guindaste. A lança resiste somente a 76,000 lbs e o cabo de aço da carga 85,000 lbs.” Ambos serão extremamente sobrecarregados se você tentar içar  a viga com 97,000lbs a 20’ de raio, contando apenas com a sensação de tombamento para verificar a carga máxima nesta configuração.

A razão aqui é que a capacidade que ele enxerga na tabela não é a capacidade de tombamento, é somente um certo percentual da carga de tombamento (neste caso 75%) conforme determina a lei.Existe uma área “nebulosa” entre a capacidade que consta da tabela e a carga que realmente irá tombar o guindaste. Muitas limitações estruturais existem nesta área “nebulosa”. Se o operador se baseia apenas no tombamento para avisa-lo de um problema, ele pode estar procurando por um grande problema futuro, pois ele irá sobrecarregar substancialmente componentes estruturais do guindaste.

Quando você está se baseando “no sensor do seu traseiro” para avisá-lo do tombamento, somente Jesus Cristo e o projetista do guindaste sabem o que está sendo sobrecarregado.

Alguns argumentarão que existe uma margem de segurança embutida na lança e outros componentes estruturais os quais devem proteger-nos durante a sobrecarga.Sim, existe uma margem. Entretanto esta margem não pertence ao usuário. Ela está lá para proteger a operação contra problemas imprevistos que estão fora do controle do usuário tais como: recalque do solo, carga dinâmica, rajadas de vento, etc. Se esta margem é deliberadamente usada logo de início, não sobra nada para prevenir uma catástrofe quando o Sr. Murphy e sua lei vierem visitar nossa obra. Acho que todos concordam com isto.

Um guindaste certamente não entrará em colapso sob cada sobrecarga sofrida, mas não se enganem a sobrecarga danifica a máquina. No meu tempo de Manitowoc conversando com algumas pessoas na fábrica, eles me diziam que consideravam o operador como um “aventureiro” (não posso colocar a real tradução do que me disseram) quando ele faz um içamento fora da tabela. Seis meses depois, quando a lança deste mesmo guindaste colapsa com uma carga dentro da tabela, ninguém consegue imaginar o porquê e quase sempre tendem a culpar o fabricante, uma vez que a referida carga estava dentro da capacidade da máquina! Pensem sobre isto. Será que o operador, rigger, a gerência ajudaram a causar este acidente, forçando o guindaste até quase o seu limite de tombamento no passado?Nesta mesma conversa na engenharia da fabrica da Manitowoc eu ouvi uma abordagem muito interessante do que é a sobrecarga no guindaste, e que agora compartilho com vocês:

Cada sobrecarga imputada ao guindaste deve ser vista como se cortando um arame do cabo de aço: provoca um dano cumulativo. E é somente uma questão de tempo até que o cabo se rompa!

A OSHA determina, “nenhum guindaste deve ser carregado além de sua capacidade tabelada.” A mim me parece uma afirmação muito clara, difícil é não entendê-la, mas muitos usuários de guindastes se acham espertos e pensam que sabem mais do que os próprios fabricantes, e em consequência estão constantemente “quebrando as regras do jogo.” Da próxima vez que você estiver tentado a fazer isto, ou pedir a alguém que o faça, lembre-se da nossa estorinha.Quando você estiver trabalhando na área de tombamento da tabela, uma limitação estrutural pode estar a apenas algumas libras de diferença e infelizmente você não sabe disto.

tabeladecarga
As capacidades nas áreas sombreadas são limitadas estruturalmente

SEMPRE RESPEITE A TABELA DE CARGA. COMO EU COSTUMO
DIZER EM MEUS TREINAMENTOS: ELA É A NOSSA BÍBLIA!

* Camilo Filho é engenheiro mecânico, especialista em içamentos pesados, com mais de 30 anos de experiência em operações com guindastes e movimentação de carga. Com vários cursos na área feitos no exterior, é responsável por vários trabalhos de grande envergadura no Brasil e no exterior. Atualmente é consultor da IPS Engenharia e membro da ACRP (Associationof Crane & Rigging Professionals-USA). Sugestões e comentários enviar para camilofilho@hotmail.com .

Leia mais DICAS do Camilo para içamentos seguros

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