NÃO QUEBRE A REGRA DO JOGO

Por: Camilo Filho (*)

As tabelas de carga não são claras no que diz respeito aos limites estruturais que são violados quando o guindaste é operado além da sua capacidade tabelada e se aproxima do tombamento.

A tabela de carga de um guindaste móvel explicita parâmetros operacionais que são críticos para o uso seguro do equipamento. Enquanto algumas tabelas podem ser muito complexas, a maioria dos usuários entende que a tabela de carga divide as capacidades tabeladas em duas categorias gerais: (I) aquelas limitadas pelo tombamento (chamada de área de estabilidade) e (II) aquelas cargas limitadas por fatores estruturais.

Esta informação está claramente indicada nas tabelas americanas que são baseadas na ANSI B30.5 – o mesmo não ocorre nas tabelas europeias, que são baseadas na EN 13000. Além do exposto anteriormente, no entanto, um número assustador de usuários erroneamente “lê desinformação muito perigosa na tabela”, como mostrarei a seguir.

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Quantas vezes você já ouviu uma conversa como esta: “Nós tínhamos uma peça pesada para içar. O peso estava acima do tabelado, mas nós estávamos na área de tombamento, assim eu sabia que eu tinha 15% ‘a meu favor’ e, além disso, a máquina primeiro iria levantar as patolas antes de alguma coisa quebrar.” Parece familiar? Pois isto não é verdade, e sim um tremendo erro de interpretação!

Baseando-se no tombamento para balizar uma capacidade, um operador pode sobrecarregar enormemente os componentes estruturais do guindaste. Eu hoje, com mais de 39 anos trabalhando com guindastes, já escutei a “lógica” acima muitas vezes para acreditar que se trata de um equívoco isolado. Em vez disso, parece-me que muita gente, incluindo-se aí operadores, supervisores e até engenheiros, consciente ou inconscientemente, são culpados pelo fato de estarem tentando adivinhar dados que são unicamente de conhecimento do fabricante do equipamento. Quando trabalhei na Manitowoc/Grove, com meu amigo Bob Ritter, tive a grata oportunidade de ver e entender a complexidade de se construir a tabela de carga de um guindaste.

A OSHA (Occupational Safety and Health Administration) obriga que, “quando as capacidades são limitadas pela competência estrutural, tais capacidades devem ser claramente mostradas e enfatizadas nas tabelas de carga”. Não há dúvidas de que a intenção aqui é alertar os operadores das limitações estruturais dos seus guindastes. A OSHA reconhece claramente a importância dos limites estruturais e, além disso, também estabelece que: “quando cargas –que são limitadas pela competência estrutural da máquina ao invés da estabilidade –, são manuseadas, será estabelecido que o peso da carga foi determinado dentro de uma variação de erro máxima de 10% antes de ser içado.” Isto é bastante claro. Quem não consegue imaginar o potencial de desastre de uma falha estrutural?

A maioria dos bons operadores, os caras experientes, concordam que você não deve se arriscar na área de limitação estrutural, entretanto, a tabela de carga não nos diz que é seguro para o guindaste aproximar-se do limite de tombamento sem sofrer consequências estruturais. Somente nos indica que as limitações estruturais não são excedidas pelas capacidades de estabilidade mostradas nesta área da tabela. Não serão estas capacidades que irão tombar o guindaste! Elas são apenas um certo percentual da carga a qual tombará o guindaste.

Se nós carregarmos o guindaste acima das capacidades dos fabricantes, mesmo numa área limitada pela estabilidade, nós não temos a menor ideia de que componentes estruturais podem estar sendo sobrecarregados antes do guindaste realmente mostrar sinais de tombamento.

Uma tabela pode mostrar uma carga de 5.000 kg limitada pela estabilidade. Na verdade, a resistência da lança pode ser de apenas 5.100 kg. Sob as normas regulamentadoras federais americanas atuais de estabilidade, para um guindaste de esteiras seriam necessárias 6.700 kg para tombar este guindaste. Neste caso, se o operador levantar determinada carga até sentir que o guindaste está “leve”, ou seja, próximo do seu limite de tombamento, a lança terá sido sobrecarregada com 1.600 kg ou 32%. Existe uma “zona nebulosa” entre as capacidades tabeladas pela estabilidade mostradas na tabela e a carga que realmente tomba o guindaste. Uma tabela de carga não nos diz que limites estruturais são violados quando o guindaste é levado além da tabela e se aproxima do tombamento.

Num guindaste montado sobre esteiras, a regulamentação da OSHA nos diz que só podemos classificar a máquina a 75% da carga que irá fazer com que ocorra o tombamento. São feitos cálculos e testes no computador para desenvolver uma tabela de carga. Também são feitos testes no campo, no “Test Pad” para verificar se a tabela e os dados do cálculo estavam batendo com o real em campo. No teste o guindaste começa a tombar com 20m de raio e uma carga de 100.000kg.

Com uma matemática simples, rapidamente mostramos que se o guindaste tomba com uma carga de 100.000 kg, nossa capacidade para o guindaste (lembrando que é um guindaste sobre esteiras) não poderá ser mais do que 75 % x 100.000 kg ou 75.000 kg, se o tombamento é o fator determinante da capacidade. Foram feitos inúmeros testes no computador para predizer as tensões em nosso guindaste e descobrimos que somente dois componentes estão próximos dos seus limites de resistência para este comprimento de lança e raio. No caso nossa lança pode suportar 76.000kg a 20m de raio.

A resistência do cabo de aço limita a capacidade do guindaste a 85.000 kg. A capacidade de tombamento de 75.000 kg é, entretanto, o menor de todos os fatores, assim a tabela de carga é liberada mostrando 75.000 kg a 20m de raio e obviamente não é colocado asterisco nesta capacidade porque ela é limitada pela estabilidade e não estrutural.

Imaginemos agora que num trabalho de montagem de uma ponte, o rigger amarra o gancho em uma imensa viga de concreto para retirá-la de sua base de fabricação. Pintado na lateral da viga está o seu peso: 97.000 kg.

O raio medido é 20m e como o rigger não tem a tabela de carga nas mãos, ele não sabe que sua capacidade é 75.000 kg. O correto neste caso é o operador aproximar-se da viga antes de iça-la. Mas eis que o rigger amarra a viga e a rotação do motor sobe rapidamente indicando que o cabo começa a ser tensionado. Imagine que neste momento, você que é o supervisor responsável grita para o operador que ele vai tombar o guindaste!

Com um ar misto de superioridade e desdém (já que ele é um profundo conhecedor da tabela de carga), o operador calmamente explica: sim, eu sei que a carga está além da capacidade do guindaste. Presunçosamente ressalta que ele está trabalhando na área de tombamento da tabela, assim logicamente, é seguro sobrecarregar o guindaste “até que ele fique leve.” E ele continua sua explicação dizendo que “nesta parte da tabela o guindaste deve tombar antes que qualquer coisa quebre”.

Coitado, está completamente errado e aí é que mora o perigo!

O problema é que no projeto e testes do guindaste, foi constatado que a lança resiste somente a 76.000 kg e o cabo de aço da carga 85.000 kg. Ambos serão extremamente sobrecarregados ao se tentar içar a viga com 97.000 kg a 20m de raio, contando apenas com a sensação de tombamento para verificar a carga máxima nesta configuração.

A razão aqui é que a capacidade que ele enxerga na tabela não é a capacidade de tombamento, é somente um certo percentual da carga de tombamento (neste caso 75%) conforme determina a lei. Existe uma área “nebulosa” entre a capacidade que consta da tabela e a carga que realmente irá tombar o guindaste. Muitas limitações estruturais existem nesta área “nebulosa”. Se o operador se baseia apenas no tombamento para avisa-lo de um problema, ele pode estar procurando por um grande problema futuro, pois ele irá sobrecarregar substancialmente componentes estruturais do guindaste.

Quando você está se baseando somente “no sensor do seu traseiro” para avisa-lo do tombamento; somente Jesus Cristo e o projetista do guindaste sabem o que está sendo sobrecarregado.

Alguns argumentarão que existe uma margem de segurança embutida na lança e outros componentes estruturais os quais devem proteger estes componentes durante a sobrecarga. Sim, existe uma margem. Entretanto esta margem não pertence ao usuário. Ela está lá para proteger a operação contra problemas imprevistos que estão fora do controle do usuário tais como: recalque do solo, carga dinâmica, rajadas de vento, etc. Se esta margem é deliberadamente usada logo de início, não sobra nada para prevenir uma catástrofe quando o Sr. Murphy e sua lei vierem visitar nossa obra. Acho que todos concordam com isto.

Um guindaste certamente não entrará em colapso sob cada sobrecarga sofrida, mas não se enganem a sobrecarga danifica a máquina. No meu tempo de Manitowoc conversando com algumas pessoas na fábrica, eles me diziam que consideravam o operador como um “aventureiro” (não posso colocar a real tradução do que me disseram) quando ele faz um içamento fora da tabela. Seis meses depois, quando a lança deste mesmo guindaste colapsa com uma carga dentro da tabela, ninguém consegue imaginar o porquê e quase sempre tendem a culpar o fabricante, uma vez que a referida carga estava dentro da capacidade da máquina!

Pensem sobre isto. Será que o operador, rigger, a gerência ajudaram a causar este acidente, forçando o guindaste até quase o seu limite de tombamento no passado? Nesta mesma conversa na engenharia da fabrica da Manitowoc eu ouvi uma abordagem muito interessante do que é a sobrecarga no guindaste, e que agora compartilho com vocês:

Cada sobrecarga imputada ao guindaste deve ser vista como se cortando um arame do cabo de aço. Provoca um dano cumulativo e é somente uma questão de tempo até que o cabo se rompa!

A norma americana determina, “nenhum guindaste deve ser carregado além de sua capacidade tabelada.” A mim me parece uma afirmação muito clara, difícil é não

entende-la, mas muitos usuários de guindastes se acham espertos e pensam que sabem mais do que os próprios fabricantes e em consequência estão constantemente “quebrando as regras do jogo.”

Da próxima vez que você estiver tentado a fazer isto, ou pedir a alguém que o faça, lembre-se do que exemplificamos acima. Quando você estiver trabalhando na área de tombamento da tabela, uma limitação estrutural pode estar a apenas alguns quilos de diferença e infelizmente você não sabe disto.

SEMPRE RESPEITE A TABELA DE CARGA. COMO EU COSTUMO DIZER EM MEUS TREINAMENTOS: ELA É A BÍBLIA DO OPERADOR!

 camilofilho* Camilo Filho é engenheiro mecânico, especialista em içamentos pesados, com mais de 39 anos de experiência em operações com guindastes e movimentação de carga. Com vários cursos na área feitos no exterior, é responsável por vários trabalhos de grande envergadura no Brasil e no exterior. Atualmente é autônomo e consultor da IPS Engenharia de Rigging. Sugestões e comentários enviar para camilofilho@hotmail.com.

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