IÇAMENTOS IRRESPONSÁVEIS DE PESSOAS?

Por Wilson Bigarelli

Eventos com guindastes movimentando pessoas continuam sendo feitos. Assim, como se fosse um entretenimento qualquer. Uma atração aparentemente segura e saudável para pais, filhos e famílias inteiras. Empresas já se organizaram para explorar o negócio.

dinner in the sky
Evento realizado em Bruxelas, na Bélgica

A mais conhecida é a Dinner in the Sky que, inclusive, esteve de passagem em São Paulo no mês de abril. O curioso é que, sempre que esse tipo de evento é realizado, a notícia é amplamente divulgada. Inegavelmente dada de forma descontraída, como se fosse um piquenique no parque.

Nesse último caso, o título da matéria do UOL, principal portal de notícias do país, era auto-explicativo.  “Vista panorâmica, emoção e vento: como é comer pendurado por guindaste”.  E faz crer que nem as autoridades. Tão pouco o público em geral, têm conhecimento dos riscos envolvidos.

Içamento é visto como uma operação normal

Nesse ponto, muitos locadores de guindastes poderão dizer: “E daí? Eu mesmo já atendi esse tipo de empresas várias vezes. Tomei todos os cuidados necessários e não houve problema algum. Até levei minha família no final de semana…”. Outros, poderão dizer mais: “Com a situação do jeito que está, vocês estão procurando ‘chifre em cabeça de cavalo’. Afinal querem tirar da gente esse precioso spot?”.

Tudo bem: cada cabeça uma sentença. O problema é que os fabricantes de guindastes não recomendam esse procedimento. E já se manifestaram publicamente, com fundamentada documentação. O que significa dizer que, caso ocorra um acidente, eles provavelmente estarão cobertos, juridicamente falando. O argumento básico é que guindastes não foram feitos para isso. Tanto que a elevação de trabalhadores em “equipamentos de guindar”, sem recursos e acessórios específicos, inclusive no Brasil, é proibida.

O que remete a outra questão: que autoridade pública tem competência para dar um alvará. Uma licença ou autorização, enfim, para um evento como esse? A princípio, no caso brasileiro, funcionários ligados ao antigo Ministério do Trabalho. Conforme ocorre em qualquer canteiro de obras, onde há necessidade de trabalho em altura. Uma possibilidade bem remota, caso se trate de qualquer “almoço com as estrelas”. Café nas alturas”, “jantar no céu” ou coisa que o valha. Simplesmente, porque não há nenhuma NR prevendo isso.

Oposição da indústria e associações de usuários

A FEM – Federação Européia de Manutenção, é a entidade que concentra todos os fabricantes europeus de guindastes. E é ainda responsável junto à indústria que fabrica esses equipamentos pela aplicação das normas aplicáveis. Principalmente a EN 13000- documento que normaliza os critérios para o projeto e fabricação.

Já em maio de 2001, a FEM publicou um documento no qual comunica que “guindastes móveis nunca devem ser usados para fins de entretenimento. Como içamento de pessoas para show, bungee jumping, dinner-in-the-sky. Bem como içamento  de outras estruturas com pessoas embaixo ou acima”. http://bit.ly/docFEM2011

Alerta a mesma linha, fez a ICSA International Crane Stakeholder Assembly. A entidade congrega fabricantes (FEM) e usuários de guindastes (ESTA) em todo o mundo. Posteriormente publicou, em abril de 2016, um trabalho específico. Com critérios rígidos para o trabalho de pessoas içadas por guindaste: “quando não houver disponível outro equipamento designado (projetado) para essa finalidade”. http://bit.ly/docICSA2016

Documentos visam à conscientização

Os dois documentos estão disponíveis na íntegra nos links acima. Mas poderíamos adiantar alguns pontos do guia elaborado pela ICSA. Que a própria entidade admite, não tem caráter legal e “é apenas para orientação. Nesse sentido, dando uma visão geral sobre a avaliação dos riscos relacionados ao levantamento de pessoas com guindastes”. De qualquer modo, é bastante contundente e mostra que a discussão tem âmbito mundial.

O que responde uma outra argumentação que poderia ser feita por locadores de guindastes. Sobretudo  os que fazem ou já fizeram esse tipo de trabalho no Brasil. Eles poderiam perguntar: “O Dinner in the Sky, por exemplo, é uma franquia mundial, com sede na Bélgica. Não é possível que eles façam isso ilegalmente”. Sim, provavelmente eles contam com alguma licença. Mas, qual a validade legal, ao menos no caso brasileiro, que é o que nos interessa mais diretamente. De qualquer modo, não tem o respaldo das associações do setor.

Basta ver as associações que assinam o “guia de boas práticas” da ICSA:

Association of Equipment Manufacturers (AEM). The Crane Industry Council of Australia (CICA). The European Association of abnormal road transport and mobile cranes (ESTA).European Materials Handling Federation (FEM). e Specialized Carriers & Rigging Association (SC&RA).

Com muitas ressalvas, tanto a ICSA quanto a FEM, admitem, em último caso, o uso de plataformas suspensas. Embora somente em situações de trabalho (não recreativas).

cestas aéreas
Cestas aéreas adequadas

Mas são plataformas específicas, com dispositivos de içamento igualmente regulamentados. Utilizadas em uma operação assistida e monitorada, com comunicação e autonomia de controle. Os guindastes utilizados também requerem configurações adequadas. Intempéries e condições do solo devem ser verificadas. E, claro, tudo com planejamento prévio. A ICSA preparou até mesmo um ckeck-list.

Diante disso, é fundamental que os locadores de guindastes (sobretudo). Bem como as autoridades que, eventualmente, estejam validando alvarás e licenças saibam dos risco. E a sociedade como um todo, saiba das limitações dos guindastes, que tem múltiplas aplicações. Mas, repetindo, não foram feitos para isso. Tudo irá bem enquanto todos continuarem se divertindo. Até ocorrer um acidente, com vítimas. E aí, que assumirá a culpa?

 

 

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