Uma área do campus da USP (Universidade de São Paulo) de São Carlos, no interior paulista, está servindo de campo de provas para desenvolvimento do primeiro caminhão autônomo nacional. A tecnologia que adota recursos de computação na condução de veículos de transporte e dispensa a intervenção do motorista, cuja implementação ainda depende de regulamentação em âmbito mundial e vem sendo desenvolvida em centros de pesquisa de diversos países industrializados, chega ao Brasil por meio de uma parceria entre a Scania, a Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) e o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC).
O acordo de cooperação tecnológica, firmado em 2013, recebeu um financiamento de R$ 1,2 milhão e a Scania disponibilizou dois caminhões para a realização das pesquisas. Segundo Rogério Rezende, diretor de assuntos institucionais e governamentais da montadora, ele reproduz o modelo de parceria já adotado pela empresa com as comunidades acadêmicas na Europa, mais especificamente na Suécia. “O investimento é um conjunto de iniciativas que vão muito além do aporte financeiro”, diz ele.
O resultado desse acordo já pode ser constatado em um protótipo que roda no campus da universidade para testes. Trata-se de um caminhão Scania G360 6×4 que recebeu pequenos motores no volante e nos freios, um circuito eletrônico no acelerador, radares e duas câmeras que imitam a atuação do olho humano. Ele também foi equipado com antenas de GPS no topo da cabine e um sensor na direção, que registra o movimento do volante. Um computador é responsável por captar as informações dos sensores e do GPS, interpretá-las e realizar o comando correto para executar a manobra.
Rezende destaca que o objetivo é desenvolver um caminhão capaz de executar percursos de forma autônoma, além de gerar artigos científicos que serão publicados na comunidade acadêmica. “Somos uma empresa de vanguarda em inovação e tecnologia e a proximidade com as instituições de ensino é parte de nosso negócio.” Os resultados obtidos projetam um futuro promissor para a tecnologia. Operações confinadas e off-roads, com roteiros predefinidos, podem utilizar essa solução em benefício da produtividade e segurança. “O sistema autônomo não vai substituir os motoristas, mas ajudá-los a cumprir suas tarefas com mais segurança e tranquilidade”, acrescenta Denis Wolf, professor do ICMC e um dos coordenadores do projeto.
O caminhão recebeu diversos itens para que o sistema pudesse controlar todos os movimentos. Além de pequenos motores acoplados ao volante e aos freios, ele ganhou um circuito eletrônico no comando do acelerador, para que seja possível controlar a velocidade do caminhão. Como o veículo conta com câmbio automático, não foi preciso realizar nenhuma outra alteração no trem de força. “Substituímos os pés e as mãos do motorista por sistemas de atuação mecânica e eletrônica. Depois, colocamos sensores para que atuassem como os olhos e os demais sentidos dos seres humanos”, destaca Wolf.
Um computador ligado aos sistemas do caminhão é responsável por captar as informações dos sensores e sistema GPS, além de interpretá-las e realizar o comando correto para as manobras. Tudo isso para chegar ao destino final com segurança. O maior desafio, contudo, foi desenvolver sistemas capazes de interpretar as informações dos sensores. “As câmeras registram apenas cores, o que requer programas complexos para interpretar se o que está naquela imagem é um carro, uma pessoa, uma árvore ou a rua”, diz o professor. Outro problema é que essa interpretação precisa ser realizada de forma extremamente rápida. “O sistema tem centésimos ou até milésimos de segundo para entender o que está acontecendo, planejar o que deve fazer e executar essa ação.”
Desde 2014, quando os testes com o caminhão autônomo começaram nas ruas do campus da USP em São Carlos, os pesquisadores vêm trabalhando para aprimorar a qualidade da navegação e do sistema de percepção. “Encontramos poucos trabalhos científicos que tratavam do controle de um veículo de grande porte. Foi preciso adaptar soluções para manter o caminhão em sua faixa de trânsito, fazer curvas de forma suave e com precisão, o que reflete diretamente na segurança”, diz Wolf. Ele destaca ainda que as pesquisas envolvem a aplicação de tecnologia cujo custo seja economicamente viável, seguindo rigorosos protocolos de segurança para as operações e testes.