ENSAIO DE DOBRO DE CARGA EM CINTAS TÊXTEIS

ENSAIO DE DOBRO DE CARGA EM CINTAS TÊXTEIS

Por Jorge Vaz (*)

A segurança na movimentação de cargas é de suma importância e o ensaio de dobro de carga é uma prática estabelecida para acessórios metálicos como cabos de aço, ganchos e manilhas. Contudo, a aplicabilidade deste método às cintas têxteis suscita questões devido às diferenças fundamentais entre os materiais.

Para acessórios metálicos, normas como ABNT NBR 13545:2012 e EN 13889:2009 (manilhas), EN 1677-1:2009 (acessórios Grau 8), ABNT NBR 15516-1 (corrente Grau 8) e ABNT NBR ISO 16798:2006 (Anel de Carga) especificam ensaios de deformação: permitem uma variação dimensional máxima de 1% após a aplicação da ‘carga de prova’ (o tal dobro de carga). Esses ensaios são fundamentais para validar a integridade estrutural destes acessórios.

Cada tipo de aço, com suas propriedades bem definidas, permite uma análise detalhada e previsível utilizando aplicativos de modelagem 3D e engenharia de cálculo. Estas ferramentas facilitam a criação de desenhos mecânicos, análises e simulações, possibilitando projetar e prever a tensão que o material suportará. Essa base sólida para a aplicação de ensaios de deformação contrasta significativamente com as cintas têxteis, cuja elasticidade e comportamento sob carga não seguem os mesmos padrões.

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Quem já acompanhou pelo menos um ensaio de ruptura de cintas na vida (plana ou tubular) sabe: durante o ensaio de tração, quando a célula de cargas indica uma força equivalente ao dobro da CMT a cinta permanece intacta. E isto ocorre mesmo quando, por fim, descobrimos que ela não está conforme a norma – isto é, não alcançou a CMR (Carga Mínima de Ruptura), não atendendo então o FS (Fator de Segurança) estabelecido. Isto significa que mesmo cintas reprovadas, passariam com muita facilidade pelo teste de dobro da carga.

E ainda temos um agravante: além de não refletir a conformidade, a aplicação do teste de dobro de carga em cintas têxteis compromete sua integridade. A norma NBR 15637 é clara em seu item B.3.2.3 “Não ultrapassar o limite da CMTE” e 6.2.1 “O material têxtil não pode ser pré-tensionado ou usado antes do ensaio”. A prática do ensaio de dobro de carga em cintas contradiz o próprio princípio de validação, onde a cinta que deveria ser “validada” já foi na verdade “invalidada”, sofrendo uma degradação antes mesmo de entrar em operação – fato que, em caso de sinistros, certamente será utilizado pelo fabricante em seu favor.

E por que então este ensaio não funciona e ainda aprova cintas de má qualidade? A resposta está na elasticidade: após uma força aplicada de apenas 2 x a CMT a cinta terá um comportamento elástico: vai alongar e retrair. Curiosamente, é justamente em materiais de menor qualidade agregada (tenacidade, durabilidade, resistência química etc.) que haverá ainda mais elasticidade, como em cintas de poliamida e polipropileno que passariam ainda mais facilmente neste tipo de ensaio.

Tudo isto sublinha a inviabilidade de aplicar metodologias de teste de deformação projetadas para materiais metálicos em cintas têxteis. O ensaio de dobro de carga, embora relevante para acessórios metálicos, em cintas têxteis só tem uma função: validar para uso cintas potencialmente não conformes e causar uma perigosíssima falsa sensação de segurança!

Jorge Vaz Jorge Vaz, é Diretor Executivo da Tecnotextil, empresa pioneira na fabricação de cintas têxteis no Brasil. Com uma atuação de mais de 15 anos no ramo da movimentação de cargas, atualmente desempenha um papel chave como secretário da comissão de estudos que elabora as normas técnicas do setor. Contato: jorge@tecnotextil.com.br.

 

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