Por Wilson Bigarelli
Uma rota de menos de 100 km por estradas pavimentadas com carga conteinerizada, pesando 23 t e dimensões bastante razoáveis (11 m de comprimento, 5 m de largura e 4 m de altura) não parece ter nada de excepcional. A história começa a ganhar contornos mais interessantes quando se considera o ponto de origem – as instalações da fabricante de satélites Orbital ATK, em Dulles (Virgínia), nos Estados Unidos – o de transbordo – Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa – e o destino final: um posicionamento geoestacionário a 36 mil Km de altura.
Nesse ponto, já não há dúvidas de que a carga em questão é um satélite. Realmente, mas não um satélite qualquer. É o tão aguardado Al Yah 3, que garantirá o sinal de banda Ka (internet incluída, claro) no continente africano e na América Latina, o Brasil, em particular. O serviço começa a ser disponibilizado, ainda neste ano, e a Yahsat do Brasil, subsidiária do grupo Al Yah Satellite Communications, dos Emirados Árabes Unidos, já está fazendo reservas.
Descontada a relevância econômica e para as comunicações, principalmente nas regiões mais remotas do país, pode-se voltar às condições logísticas da operação, que a tornam excepcional por si própria. Independente da carga, que poderia ser o satélite ou o carro, que o milionário Elon Musk colocou no caminho da Órbita de Marte com o seu SpaceX Heavy.
No dia 25 de janeiro, às 20h20, a equipe da Arianespace também usou seu lançador “heavy-lift” (embora não retornável, como o de Musk) para colocar no espaço o Al Yah 3 – o lançador Ariane 5 – descartando outros veículos de sua “frota” – o “medium-size” Soyuz, o “lightweight” Vega, e o novo Ariane 6 (que não é usado em Kouru, mas somente no Cosmódromo de Baikonur, no Casaquistão). O Ariane 5 atendeu plenamente aos requisitos da operação.
Quando retirado do contêiner, o Al Yah 3 já apresentava um tamanho próximo ao de sua órbita final (2,5 m de largura por 5 de altura) e peso de 2,8 t. A única diferença é que, uma vez no espaço, ele abre os seus painéis solares e a largura chega a 32 m. Foi tranqüilo para o Ariane 5 (embora tenha havido um pequeno desvio de rota e, consequentemente, uma perda de telemetria, logo após o lançamento). Com altura de 50,5 m, diâmetro de 5,4 m e peso de 780 t, o payload do Ariane 5 é de 10 t para órbita geoestacionária (como era o caso do Al Yah 3) ou de 20 t para órbita baixa.
Embora fascinante pelo uso de um veículo espacial em sua última fase, essa operação intermodal teve início ainda em novembro de 2017 também com soluções inusitadas. Acondicionada em contêiner especial desenvolvido pela Orbital ATK para esse tipo de carga (o Galileo Spacecraft Container), a delicada carga foi cuidadosamente posicionada sobre uma carreta estacionada no pátio da empresa, com o uso de um guindaste móvel equipado com um spreader beam ajustável (WLL 70.000 LB) com quatro pontos de içamento (mantendo-a sempre perpendicular à base de transporte).
Dali, a carga seguiu por 44,2 Km por via local até Aeroporto Internacional Washington Dulles, um dos três que atendem a capital dos Estados Unidos, com área de 45 km². E a escolha não foi fortuita. O transporte aéreo seria feito pela Antonov, em uma das sete unidades de seu modelo AN-124-100, com payload de 150 ton, que só perde em capacidade para o AN-225 (para 250 t), mas igualmente gigante. A Antonov Airlines, baseada na Ucrânia, tem feito vôos regulares nas Américas com seus cargueiros, depois de ter estabelecido em 2017 uma filial em Houston, no Texas, em um programa de expansão mundial de suas atividades.
O embarque no avião seguiu o mesmo procedimento utilizado quando do acondicionamento da carga no conjunto de transporte, com a utilização do guindaste com spreader beam ajustável. Com uma diferença importante: a carga foi içada inicialmente sobre um sistema de rampa rebaixada, especialmente projetada pela Antonov para atender ao exigente mercado de transporte de satélites – garantindo segurança e eficiência tanto na carga quanto na descarga do avião.
A chegada do AN-124-100 no aeroporto de Caiena,na Guiana Francesa, embora ocorrida no final de novembro, só foi divulgada oficialmente no dia 23 de janeiro – dois dias antes do lançamento.
O fato é que o contêiner Galileo naquele momento já havia sido embarcado em nova composição rodoviária (com a mesma metodologia adotada anteriormente) e superou na fase final um trecho rodoviário de 60,2 km entre o aeroporto de Caiena e o Centro Espacial de Kourou.
Fonte: Revista HD nº34, encarte da Crane Brasil nº57 (janeiro-fevereiro-2018)