Por Cristóvão de Souza (*)
Quando falamos em materiais de içamentos, todos sabemos da importância das inspeções durante a vida útil destes equipamentos. As inspeções mais comuns são: (a) inspeção pré-uso (rotineira), executada pelo usuário antes de cada uso; (b) inspeção programada (não-rotineira), programada conforme o regime de uso do material e executada por um inspetor qualificado. Essa última, também deve ser registrada, conforme os requisitos da NR-11.
Além dessas duas, existe uma que talvez seja a mais importante das inspeções: inspeção de recebimento, conhecida também como inspeção para ativação do item. Essa inspeção é feita no ato do recebimento do item pelo almoxarifado, ou até mesmo quando um prestador de serviço pretende adentrar sua empresa com o material de içamento. A inspeção de recebimento pretende verificar se o material, que está sendo fornecido, está de acordo com o que foi solicitado nos pedidos de compras, ou se a sua documentação atende os requisitos normativos.
Muitos acidentes acontecem por falhas nos materiais de içamentos e, ao longo de 10 anos, atuando como inspetor de materiais de içamento, algo que gosto de deixar claro para meus clientes é que existe a possibilidade de que, entre 70% a 80% do seu material de içamento, pode ser reprovado numa inspeção programada.
Muitos clientes se assustam e duvidam de tais números, mas, para explicar melhor, algo que deve ficar claro é a forma como atua um inspetor. Uma de suas atividades é comparar dimensões, deformações e desgaste das amostras inspecionadas, com parâmetros máximos aceitáveis, conforme as normas de fabricação do material. Mas, para isso, o inspetor necessita das referências técnicas, o que se dá justamente através de normas técnicas de fabricação.
Vamos tomar como exemplo as normas técnicas para manilhas, um acessório comumente utilizado nas operações de içamento e movimentação de cargas. No Brasil, dispomos da ABNTNBR 13545:2012; nos Estados Unidos temos a ASME B30.26 – 2015; na Alemanha, a DIN 82101:2005, e não podemos esquecer da EN13.889:2008. Todas as normas técnicas mencionadas são relacionadas com as especificações de fabricação de manilhas, assim como padrão de identificação, inspeção e descarte do material.
A realidade no Brasil é que, infelizmente, não são todas as manilhas que atendem as exigências das normas nacionais ou internacionais. Ainda existem muitos materiais de içamento de origem desconhecida, ou com identificação falha. Para entendermos como é importante a inspeção de recebimento, vamos entender o que seria um check-list com, no mínimo, os seguintes pontos de verificação em manilhas: documentação mínima e identificação do material.
Documentação (Certificado ABNT NBR 13545.2012)
O certificado de conformidade do material deve conter, ao menos, os seguintes itens: nome do fabricante e referência da norma de fabricação do material (se o material for fabricado conforme norma ABNT, atender os requisitos da norma NBR 13545). Também é importante verificar o instituto de homologação de qualidade no processo de fabricação. Minha sugestão: também é importante verificar se a fabricação de materiais de içamento, no caso manilhas, faz parte do escopo do Sistema de Gestão da Qualidade do fabricante.
Da mesma forma, o inspetor deve atentar aos dados emitidos pelo fabricante do material de içamento. Simplificando o assunto: quando compramos um celular, recebemos o certificado de garantia emitido pelo fabricante e não pela loja. E o mesmo acontece com os materiais de içamentos.
Deve ainda, conforme o item 13.2 da NBR 13545, verificar no certificado os seguintes itens:
- a) quantidade e descrição da manilha;
- b) número correspondente ao grau, isto é, 4, 6, 8, 8S, R4 ou 10;
- c) código de rastreabilidade, para possibilitar a identificação de qualquer manilha ou lote de manilhas na remessa;
- d) carga de prova aplicada;
- e) carga máxima de trabalho em toneladas (conforme as unidades de medidas do Brasil, ou seja, toneladas métricas).
Identificação (Marcação no material)
Se a documentação estiver de acordo, agora é momento de analisar o material em si, levando em consideração o item 14.1, da NBR 13545.
Cada manilha deve ser marcada de forma legível e indelével, de maneira que não prejudique as propriedades mecânicas do acessório. A marcação pelo fabricante deve conter pelo menos as seguintes informações:
- a) marca ou símbolo adotado para identificação do fabricante;
- b) número correspondente ao grau, isto é, 4, 6, 8, 8S, R4 ou 10;
- c) carga máxima de trabalho em toneladas;
- d) código de rastreabilidade para possibilitar a identificação de qualquer manilha ou lote de manilhas na remessa.
Exemplo de uma manilha com o corpo liso, sem qualquer identificação, e outra manilha com identificação falha, pois não se identifica o nome do fabricante e grau do material.
De acordo com o item 14.2, da NBR 13545, os pinos (maiores ou iguais a 13 mm) devem ser marcados com o grau e o símbolo do fabricante, também de forma legível e indelével, de maneira que não prejudique as propriedades mecânicas do pino. Os pinos menores que 13 mm de diâmetro devem ser marcados com, no mínimo, a identificação do grau.
Essas referências são apenas para manilhas conforme ABNT NBR 15.545.2012, que foi o exemplo tratado, mas todos os demais materiais de içamento não diferem muito disto, ou seja, se não consigo identificar claramente o fabricante do material, capacidade, rastreabilidade, isso indica que o material não está de acordo com as orientações das normas.
Acredito que tenha ficado claro o quão importante é a inspeção de recebimento, pois sem que esses dados sejam verificados, nenhum inspetor poderá realizar as inspeções futuras (rotineiras e não-rotineiras), pois o mesmo não terá como verificar os parâmetros de inspeção.
Para pensar: os fabricantes de materiais de içamentos orgulham-se de ter sua marca estampada em seus produtos, porém, quando o fabricante não o faz, indica que não quer ser identificado. Por fim, você sabia que a falha em tudo isso pode começar bem antes? A gestão dos materiais de içamentos inicia lá na solicitação do material, mas isso é um tema para a próxima edição da Crane Brasil.
(*) Cristovão de Souza, “casado, pai e avô”, como gosta de ressaltar, é diretor da Sertech Consultoria e Treinamentos. Palestrante, planejador de Rigging, inspetor de Guindastes e materiais de içamento, ´´e gestor de segurança em operações de içamento pelo Crane Institute Certification. Fundador do Grupo Operadores & Riggers S/A no Facebook, também é youtuber nas horas vagas.
Contatos: cristovao@sertechbrasil.com.br