A PONTA DO ICEBERG

Por: Camilo Filho*

(Ouça Cranecast1)

A indústria da construção continua sofrendo com um número elevado de acidentes com guindastes, gerando quase sempre altos custos em termos de vidas humanas e danos à propriedade. Infelizmente, esses acidentes são o reflexo de más decisões tomadas por gerentes, supervisores ou operadores de guindastes. Digo isso, com base nos 31 anos de experiência que completo em 2012 trabalhando em movimentação de cargas, incluindo aí, manutenção, operação, engenharia, estudos de rigging e ultimamente segurança.

Mas, o que pode ser feito para eliminar as más decisões que levam a esses trágicos, caros e evitáveis acidentes? Muitos simplesmente culpam o operador, depois que um acidente acontece, mas ele é apenas a ponta do iceberg – e as grandes causas estão imersas nas profundezas, assim como um iceberg. Podemos listar as responsabilidades nas operações com guindastes em três níveis: o operador do guindaste, o cliente e a diretoria operacional/gerenciamento do proprietário do guindaste.

Vamos começar de trás pra frente: a diretoria ou gerência operacional do proprietário do equipamento. É sua responsabilidade assegurar que seus empregados (no caso os operadores, riggers e demais envolvidos na operação) estejam em uma condição física e mental perfeitas, bem como atualizados nas novas tecnologias encontradas nos guindastes modernos. É sua responsabilidade também, entre outras, o fornecimento de acessórios em perfeito estado, e de preferência certificados.

Isto é obtido, quando a empresa locadora do guindaste possui um sistema de gerenciamento da qualidade implantado, porque, no frigir dos ovos, não adianta ter parte de algo. Necessitamos ter um todo. Uma empresa que tenha realmente implantado um sistema de gerenciamento da qualidade, vai assegurar tudo isso e mais.

Por exemplo: se o operador está treinado e o material certificado, mas a máquina ou parte dela chega atrasada na obra. Pronto! O operador já estará submetido a um stress, será de repente obrigado a virar a noite trabalhando, para que, no dia seguinte, a máquina esteja montada de acordo com o cronograma assumido pela empresa. Vamos supor ainda que tudo deu certo em relação à máquina e seus componentes. Iniciada a jornada, porém, descobre-se que o operador não teve seu numerário depositado, por um esquecimento de alguém do departamento operacional, por “n” razões e que, claro, colocará a culpa no departamento financeiro. Pronto! Outro ponto de stress. Por isso que eu digo que tudo deve funcionar, porque está tudo encadeado.

Daí a necessidade de um sistema de gerenciamento da qualidade, que irá integrar todos os departamentos da empresa (Operacional, Comercial, Financeiro, RH, Procurement, Treinamento e a Diretoria também). Caso contrário, a falha de um, compromete o todo. O problema é que ter um sistema de gerenciamento que funcione, custa caro, além de que não se conseguem bons profissionais comprometidos e capazes do dia pra noite.

O outro grande responsável pela segurança na operação é o próprio cliente. Se este também não possuir um departamento de gerenciamento da qualidade, compra qualquer coisa, tendo muitas vezes como único norte o preço. Como não trabalha com qualidade, não tem gente treinada nem preparada na obra para solicitar os serviços e cobrar ações corretas e seguras dos operadores. Pelo contrário, usa o jargão: eu sou o cliente e estou pagando. Faça o que eu mando! Se juntarmos os dois casos em que teremos o operador despreparado e este local de trabalho, estamos propensos a um acidente. Porque a falta de conhecimento ou temor pelo seu emprego, fará com que o operador já pressionado execute tal operação.

Eu mesmo já me deparei inúmeras vezes com a pergunta: mas precisa mesmo preparar o terreno? Ou: mas realmente necessitamos desligar esta rede elétrica? Ora, ninguém é louco e ninguém rasga dinheiro. Se, na época da contratação, em que a empresa está concorrendo com outras do mercado e por razões óbvias tem interesse em ofertar um orçamento mais competitivo, já tinha demonstrado que seria necessário a preparação do terreno, porque não foi feito? Se, no estudo de rigging, o cálculo mostrou a necessidade de compactar a área de operação, porque a pressão por parte do cliente em não fazê-lo? Economia? O cliente “é o dono da casa”, cabe a ele zelar por ela, mantendo, cobrando e exigindo qualidade e segurança na obra. Se é omisso, torna-se complacente ou cúmplice da tragédia.

Por último, o operador, que, como já disse anteriormente, muitas vezes é o menos culpado. Despreparo, ignorância técnica, medo de perder o emprego, pressão ou até mesmo arrogância, são motivos pelos quais acidentes são causados por eles. Afinal, ele é a ponta do iceberg, o comando está na sua mão.

O fato é que há acidentes demais na construção em geral, e muitos deles poderiam ser evitados se más decisões fossem evitadas. Pessoas e empresas responsáveis pelo uso de guindastes têm que ter conhecimento do equipamento e isso pode ser alcançado através de treinamento ou pela contratação de uma consultoria especializada. O “negócio” guindaste, é para quem é do ramo. Não é terreno para aventureiros! Caso contrário podemos encontrar um “iceberg” pela frente e, literalmente, entrar numa fria!!!

Camilo Filho é engenheiro mecânico, especialista em içamentos pesados, com 38 anos de experiência em operações com guindastes e movimentação de carga. Com vários cursos na área feitos no exterior, é responsável por vários trabalhos de grande envergadura no Brasil e no exterior. Atualmente é consultor da IPS – Engenharia de Rigging, é também membro da ACRP (Association of Crane & Rigging Professionals-USA). Sugestões e comentários: camilofilho@hotmail.com

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